A guerra entre a Rússia e a Ucrânia já dura mais de uma semana e a tensão no cenário político e econômico mundial só aumenta. O que esperar de consequências a médio e longo prazo para o Brasil, caso a guerra dure semanas ou meses?
O professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas, Marco Antonio Rocha, afirma que os últimos dias apontam para uma demora na resolução do conflito.
“Com o prosseguimento dos dias, o que todo mundo está vendo é que será um conflito demorado. Até mesmo por conta de não interessar à Rússia uma Ucrânia devastada. Então parece que vai ser uma guerra muito mais de cerco, uma guerra que vai tentando minar a Ucrânia da sua capacidade de resistência.”
“A gente também tem que levar em consideração um contingente relativamente grande de tropas mercenárias que estão entrando no espaço ucraniano, o que pode também tornar esse conflito ainda mais prolongado em termos de uma resistência que vai se estruturando, inclusive com apoio internacional'', acrescenta.
No entanto, o professor Marco Antonio descarta a possibilidade de uma terceira Guerra Mundial.
“Eu acho difícil, primeiramente, porque os Estados Unidos parece já ter recuado de um processo muito rápido de inserção da Ucrânia na OTAN ou de uma resposta em blocos da OTAN. Isso seria um movimento que não interessaria à potência nenhuma, nem às potências ocidentais, muito menos à Rússia, que parece ter um certo controle da situação. Então parece que vai ser um conflito local.”
Consequências econômicas
Ele destaca que, se a guerra na Ucrânia se estender por semanas ou meses, poderá haver impactos na cadeia produtiva no Brasil, aumentando a inflação.
“O mais imediato a gente já está vendo, que é a disparada do preço do petróleo e provavelmente do trigo e do gás, que provavelmente vai afetar o Brasil em uma série de elos das cadeias produtivas. Vai afetar os custos da indústria de alimentos, vai afetar o frete industrial, o frete de mercadorias e vai afetar as famílias de forma geral através da inflação do combustível.”
Segundo Marco Antonio, o cenário só não está pior, no momento, porque o Real está valorizado.
“Nós só não estamos tendo um impacto muito grande da inflação, principalmente vindo do que está acontecendo com o preço internacional do combustível, porque ele é composto do preço internacional, mas a taxa de câmbio é [feita] da conversão de dólar para real. Então a conversão via taxa de câmbio está ajudando a gente. Se ela deixar de ajudar a gente, os combustíveis vão se tornar novamente os grandes vilões da inflação.”
“O problema é que se a guerra se intensifica, se torna mais duradoura e mais complicada, o mercado pode começar a reagir com uma certa aversão ao risco e procurar segurança. Como o mercado procura segurança? Geralmente ele abandona as moedas periféricas e se dirige para o dólar. E nessa intensificação do conflito, podemos ver a fuga de capital das economias periféricas como um todo e a reversão desse cenário de valorização do real para um cenário de desvalorização do real”, explica.
Se esse cenário se confirmar, a inflação volta a ser um problema, de acordo com o professor.
“Porque aí se soma todo o impacto da taxa de câmbio com o impacto do preço das commodities agrícolas com impacto de preço dos combustíveis. E a inflação brasileira já está projetada para esse ano para algo em torno da casa de 6%. Isso pode chegar a uma inflação muito próxima do que a gente viu em 2021. E com isso a gente teria pelo menos três anos seguidos de inflação bem alta no Brasil.”
Agricultura e alimentos
O professor destaca que a médio e longo prazo, outro problema é a possível escassez do fornecimento internacional de fertilizantes, considerando que a atual safra já está abastecida.
“Como [o conflito] restringe a oferta de fertilizante, isso acaba tendo um impacto em aumento do preço, que vai ter o impacto no aumento dos custos para as famílias no consumo de alimento.”
O professor Marco Antonio explica que o aumento dos combustíveis pode levar a uma elevação dos preços na cadeia produtiva.
“O frete é um custo muito importante no preço dos alimentos. Então, acaba criando um processo em cascata que vai repercutindo nesse aumento do preço de combustíveis, para o preço de alimentos, para o preço dos demais bens industriais. E acaba se criando um processo inflacionário que pode ser uma das repercussões possíveis da guerra em 2022.”
“O grande receio é que a gente viva em 2022 novamente um quadro muito parecido com 2021: uma inflação na casa de 10%, mas quando a gente olha a inflação por exemplo para combustível e alimento, a gente tem 40% e 20%, muito maior do que o índice cheio”, avalia.
Confira a entrevista na íntegra com o professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas, Marco Antonio Rocha.